A INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO DIRIMINDO QUESTÃO TRIBUTÁRIA NA DEMISSÃO INCENTIVADA



RICARDO CORRÊA DALLA
Advogado em Vitória/ES e Presidente do Instituto dos 
Advogados do Estado do Espírito Santo



O ingresso em juízo trabalhista para discutir a isenção ou a não incidência do imposto de renda das pessoas físicas por terem estas recebido verbas a título de demissão incentivada, me parece ser um caminho equivocado para o trabalhador demitido ou a ser demitido.

Embora o artigo 114 da CF/88 reporte-se à competência da Justiça do Trabalho para julgar outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, não me parece que a questão tributária relativa à incidência ou não do imposto de renda na fonte sobre valores recebidos pelos ex-empregados, por terem aderido aos planos de incentivo ao desligamento das empresas, sejam controvérsias trabalhistas, muito embora sejam os referidos valores pagos em decorrência da quebra do vínculo de trabalho.

A definição de relação jurídica no direito trabalhista, neste caso, é a quebra do emprego. O plano de desligamento, embora faça parte, é também sucedâneo direto desta quebra de emprego, mas nem por isso, o debate do ex-empregado com a União Federal sobre a incidência ou não do Imposto de Renda é de competência da Justiça do Trabalho.

Por envolver recebimento de dinheiro, a título de incentivo, pelo demitido, nasce para o mesmo neste momento, outra relação jurídica que é aquela de alguém “auferir ou não rendas” tipificada pelo direito tributário como fato gerador ou hipótese de incidência do imposto de renda.

Por outro lado, em relação à competência da Justiça Federal, define o artigo 109 inciso I da mesma CF/88 que compete aos Juízes Federais processar e julgar as causas em que a União Federal for autora, RÉ, assistente e oponente, exceto às sujeitas à Justiça do Trabalho.

A interpretação dos conflitos de competência da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho é muito fértil e inúmeros são os casos decididos, todos, ao meu ver, separando sempre as matérias alcançáveis  por uma e por outra.

O alcance dado à Justiça Federal para julgar conflitos tributários em que seja Ré a União, não pode originar na, ou ser deslocado para a Justiça do Trabalho sob pena de levar o trabalhador demitido a prejuízos financeiros pelo ingresso equivocado naquela Justiça especializada.

A título exemplificativo, veja-se que até mesmo a Súmula 15 do STJ manda que o Juiz Estadual julgue relações decorrentes de acidente de trabalho. Embora seja também decorrência da relação trabalhista, a interpretação extensiva do artigo 114 da CF/88, não abrange atos e fatos jurídicos distantes da relação de trabalho, pois na verdade nasce nova relação jurídica, que não é trabalhista mas sim, do direito civil.

Outro exemplo é o caso do IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, do IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, do ITR – Imposto Territorial Rural, todos, indistintamente envolvem relação jurídica decorrente do direito patrimonial imobiliário, mas nem por isso a questão tributária é discutida no foro cível e sim, nas varas de fazenda pública municipal, estadual, e o último na Justiça Federal, por ser tributo da União.

Da mesma forma ocorre com o ITIV Imposto de Transmissão “intervivos” municipal e com o Imposto de Transmissão “causa mortis” e doações (ITCD) estadual, seus aspectos materiais, sua materialidade embora possa advir de um contrato de compra e venda relativo ao direito comercial, o debate cinge-se no campo tributário.

No mesmo sentido, foi interpretada a citada Súmula n.º 15 do STJ, no Resp. 21.794-SP, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 27.10.94  e também o julgado em RSTJ 78/317, quando ficou definida a competência da Justiça Federal e não da Estadual, rejeitando a referida Súmula 15, para julgar ação de revisão de benefício previdenciário ainda que decorrente de acidente de trabalho “independente de alusão à questão acidentária”.

Existem julgados também que afirmam que “Só a Justiça Federal é que pode dizer se a União é ou não interessada no feito (RSTJ 45/28), e, desloca-se desde logo a competência de 1.º grau. (STF-RTJ 95/1.037 et ali, Theotônio Negrão notas ao artigo 109 da CF/88, CPC, página 38 e seguintes 1997).

Por fim, deve-se citar ainda: “O interesse da União, na demanda, para deslocar a competência da Justiça Comum para a Justiça Federal, há de ser interesse real, interesse que faça com que a União diretamente se beneficie ou seja condenada pelo julgado, e não o interesse  “ad adjuvandum tantum” (RTJ S5/70S e outros mais).

O plano de demissão incentivada agrega à verba contida no Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho um “plus” que não estava prevista nem pela lei nem tampouco no acordo coletivo de trabalho.

A natureza jurídica de tal verba assume dois nítidos contornos jurídicos que tanto pode ser interpretada como indenização quanto doação, exatamente como define a doutrina do direito do trabalho e o Código Civil.

Como a verba é indenizatória, porque além de repor perdas financeiras, pretende repor a perda do conceito de pessoa bem empregada no mercado, confere ainda tranqüilidade às empresas que estão demitindo evitando passeatas, paralisação do trânsito, e até mesmo intervenção política em crises como esta.

A citada verba se não for entendida como doação deve ainda ser admitida como indenização porque pretende dar ao ex-empregado padrão mínimo de subsistência inclusive de sua família, por 6, 8 ou mais meses.

A natureza jurídica do imposto de renda é indubitavelmente tributária, como o é também a retenção pela fonte pagadora do citado “plus”. E, incide da mesma forma que incide sobre o salário pago ao trabalhador, desde que aufira rendas acima de R$900,00 que é faixa de isenção do tributo.

Contudo, existem reclamantes na Justiça do Trabalho que pretendem obter a isenção do imposto de renda e alguns Juízes Trabalhistas têm repelido a invasão de competência, mandando arquivar a reclamação, admitindo que a Justiça Federal seja a competente para dirimir tais questões.

De outro lado, o Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região tem decidido pela isenção do imposto de renda sem quaisquer restrições à competência em razão da matéria e do foro, como “verbi gratia” a que se segue abaixo:

“INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE NORMA REGULAMENTAR DA EMPRESA – ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA – Está isenta do desconto para o imposto de renda a indenização decorrente da norma regulamentar, concedida ao empregado na ocasião da rescisão contratual, em virtude de sua participação no “Plano de Incentivo ao Desligamento” criado pela empresa, e nada mais é do que uma ampliação daquela prevista no artigo 477 da CLT. Art. 60., V, da Lei n.º 7.713/88.” (AC. TRT/3.ª Região – 3.ª Turma – Proc. TRT-RO n.º 05448/93 – Rel. Juiz LUIZ RONAN NEVES KOURY “In DJ (MG) de 14/10/93 parte II – pág. 83).

A decisão parece ser a mais acertada, pois da mesma forma é inconcebível, por exemplo, que o reclamante pleiteie ação de repetição de indébito na Justiça do Trabalho, sobre imposto de renda retido na fonte, repassado por empresas privadas, via DARF à União Federal.

Mais estranho seria ainda que a União Federal movesse ação de execução fiscal contra o trabalhador na Justiça do Trabalho, em casos em que o trabalhador tenha recebido integralmente, sem desconto do imposto na fonte, na ocasião do recebimento da verba relativa ao plano de demissão incentivada.

Tenho visto, contudo, decisões diferentes como aquela brilhantemente proferida pela Eminente Juíza Federal do Trabalho, Dr.ª Maria Francisca do S. Lacerda, declarando que: “(...) Ademais, “pacta sunt servanda” e a empresa, ao descontar o Imposto de Renda na fonte, descumpriu o contrato que formou com seus empregados, pois não lhes entregou a quantia total prometida. Se entendia devido o Imposto, a ela cabia o ônus.

Eis a íntegra de tal decisão do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 17.ª Região:

“EMENTA: 

A parcela paga pela empresa como incentivo à demissão não é indenização, porque a empresa não tinha obrigação, tampouco dever jurídico de indenizar. Tem natureza jurídica de doação, que o Código Civil conceitua como contrato benéfico, inspirado no propósito que anima o doador de contemplar o donatário com uma liberalidade. A doação pode ser pura e simples, ou típica, quando celebrada com ânimo liberal, exclusivamente, e pode ser, entre as demais espécies, a condicionada. Esta subordina-se a uma condição suspensiva ou resolutiva, em decorrência do fato, mesmo que dependente a vontade do donatário, como o casamento, uma viagem e, no caso dos autos, a saída do emprego. Observe-se que a empresa, mesmo com o seu poder de resilir, resolveu doar um valor em dinheiro para aqueles que, espontaneamente, se afastassem do emprego. O caráter liberal, aí, é patente. Poderia ela simplesmente despedir quem bem entendesse, pagando as indenizações legais, mas preferiu, por liberalidade, sob condição, pagar a parcela que denominou incentivo à demissão. Sendo doação, isenta é de imposto de renda, na forma de Lei n.º 7.713/88. Ademais, pacta sunt servanda e a empresa, ao descontar o Imposto de Renda na fonte, descumpriu o contrato que formou com seus empregados, pois não lhes entregou a quantia total prometida. Se entendia devido o Imposto, a ela cabia o ônus. Dou provimento ao recurso dos obreiros para determinar a devolução do valor descontado a título de Imposto de Renda.” (RO 01850/94. Relatora Juíza Maria Francisca dos S. Lacerda. In Boletim Informativo do TRT/17.ª Região, n.º 4 págs. 19/24).

O aresto possui conclusão lógica e insofismável, bem talhado, demonstra que neste enfoque, a competência é da Justiça do Trabalho.

Finalizando, por onde se observa, por onde se pesquisa, cuja matriz é a Constituição Federal, havendo demanda em que a União seja autora, ré, assistente ou oponente, a competência é da Justiça Federal, pois “in casu” será condenada a pagar, devolver ou não reter o imposto de renda do demitido, ainda que a sentença seja meramente declaratória.

Tudo, consistindo em típica obrigação de dar, de um lado o tributo pela pessoa física, que posteriormente obtém provimento judicial para que a União Federal não faça a referida cobrança ou determine retenções tributárias na fonte pagadora, por ocasião quebra do contrato de trabalho.

Finalmente, não se pode esquecer que a União Federal, primeiro através de medida provisória e depois por lei, concedeu isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas aos funcionários públicos civis, a aderirem a demissão incentivada. Como também, a nova lei portuária n.º 8.630/93 que concedeu idêntica isenção para os portuários que deixassem a categoria dos avulsos.

A violação “in casu”, é dos Princípios da Isonomia e da Capacidade Contributiva, ambos pertencentes ao direito tributário e não ao direito do trabalho, cujos fundamentos de validade encontram-se no capítulo tributário da CF/88.

Obrigações formais, de uma ou de outra parte, quando seus vetores estão em sentido contrário e na mesma intensidade, anulam-se exatamente no mesmo âmbito das relações da ciência quântica, assim, a manter-se o entendimento de que a justiça competente é a do trabalho, de nada, no futuro, adiantará a iniciativa do trabalhador.

Estas são assim, considerações jurídicas, da ciência do direito e da teoria geral do direito processual e material, que pretendo transmitir aos estudiosos do direito, contribuindo com o debate sobre o falso argumento da autonomia dos ramos do direito.

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